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As nações todas são mystérios.  
Cada uma é todo o mundo a sós.  
Ó mãe de reis e avó de impérios,  
Vela por nós!

Teu seio augusto amamentou 
Com bruta e natural certeza 
O que, imprevisto, Deus fadou.  
Por ele reza!

Dê tua prece outro destino 
A quem fadou o instinto teu!  
O homem que foi o teu menino 
Envelheceu.

Mas todo vivo é eterno infante 
Onde estás e não há o dia.  
No antigo seio, vigilante,  
De novo o cria!  

 

O poema D. Tareja enquadra-se na primeira parte da Mensagem. É a parte onde Pessoa apresenta “em termos heráldico-históricos e simbólicos, a proposta portuguesa ao mundo”, usando as palavras do eminente Pessoano, António Quadros. D. Tareja mais não é que a fonia medieva de D. Teresa, mãe de Afonso Henriques e por isso começo e origem de Portugal, pelo menos simbolicamente.

A primeira quadra do poema diz-nos que cada nação é um “mundo a sós”, que todas “são mistérios”. O mistério, para o ocultista, é apenas o destino ainda por ser, o destino que espera ser cumprido no futuro e que por isso se vai necessariamente revelar. A “mãe de reis e avó de impérios” é o começo do revelar desse “mistério”, desse destino por ser. Cumpre-se nela o mistério no nascimento do nosso primeiro rei, efectivo instrumento e agente do destino nas suas obras. D. Teresa de facto é mãe de reis – D. Afonso Henriques – e avó de impérios – se entendermos que a partir de Afonso, a ideia de Império se começaria a formar.

Na segunda quadra indica-se que D. Teresa amamentou com “seio augusto” – D. Teresa era filha do rei de Leão e Castela D. Afonso VI – e com “bruta e natural certeza”, “o que, imprevisto, Deus fadou”. A “bruta e natural certeza”, decerto é uma directa referência à maneira como, depois de criar o futuro rei, este entrou em conflito com a sua mãe, batalhando-a para o controlo do Condado Portucalense, em 1128. Imprevisto era também o novo rei, porque vizinho de grandes potências, que iriam forçá-lo a lutar sobremaneira para se afirmar no futuro, contra as maiores probabilidades do seu fracasso do que do seu sucesso. Mas D. Afonso Henriques, “fadado por Deus”, não iria vacilar.

A terceira quadra parece ser a mais simbólica e por isso de mais difícil interpretação. Parece-nos no entanto claro que Pessoa, nas duas primeiras linhas, se refere aos actuais governantes (actuais, claro dos anos de 1930 em Portugal). “Dê a tua prece outro destino, a quem fadou o instinto teu!”: Tem de se ler esta passagem como: “que a tua prece nos guie em melhor direcção, do que aquela que seguimos por ordem de quem deu seguimento hodierno ao que tu iniciaste”. Critica social implícita, parece esta ser a melhor interpretação para esta passagem. Tal como “o teu menino envelheceu” poderá nada mais significar que a memória do rei primeiro, do impulso e da vontade de independência e de orgulho se iam diluindo, sobretudo desde o triste episódio do mapa cor-de-rosa com Inglaterra e o crescente diminuir do poder de Portugal no mundo, ainda ultramarino, mas cada vez mais pobre e isolado, deitado a uma ditadura soturna, sem indústria, sem riqueza e sem originalidade.

Veja-se que a última quadra confirma o que dissemos da terceira: “todo o vivo é eterno infante”, ou seja, e mais coloquialmente: a esperança nunca deve ser perdida. Há dentro do homem o poder regenerativo de alterar as coisas, fazer revoluções, voltar à origem para melhorar, para ser maior do que pode ser. “Infante” ou menino, “infante” ou original. Pede Pessoa, a D. Teresa ou mesmo ao infinito, que de novo se crie esse português ambicioso e original, movido pela vontade e pelo destino de ser maior do que pode ser. O “antigo seio” lá está, “vigilante”, D. Teresa que deu luz ao primeiro rei, para servir de modelo, de arquétipo sem vida, mas com mais do que apenas vida, já feito símbolo, origem, nascente de toda a nobreza e coragem de superar as adversidades.

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